São 17 horas no Sertão. Hoje é
sábado. Começo a escrever esta crônica na varanda do hotel Brotas, em Afogados
da Ingazeira, no meio do mato, quase um hotel-fazenda.
De onde estou, no monótono
entardecer sertanejo, só ouço barulho de pássaros recolhendo-se aos seus
dormitórios, formados pelas frondosas árvores de galhos ainda verdes não
roubados pela seca.
Ouço o cantar tristonho da
rolinha Fogo-pagou, decantada por Luiz Gonzaga. Ouço a Pinta-silva, a serenata
dos pardais, que parece ensurdecedora, e o canto mais belo de todas as espécies
que povoam o Sertão, o Sabiá.
Ah, Sabiá! Quanta gente já te
homenageou! Roberta Miranda: “Quero uma rede preguiçosa /Pra deitar /Em minha
volta sinfonia /De pardais /Cantando para /A Majestade, O Sabiá! A Majestade, O
Sabiá!...”
Quem é rei na caatinga sertaneja
nunca perde a majestade. Seu canto levou Gonçalves Dias a uma inspiração
fenomenal: “Minha terra tem palmeiras onde canta o Sabiá, as aves que aqui
gorjeiam, não gorjeiam como lá”, diz a sua eterna Canção do Exílio.
Onde estou, neste momento, cantam
também galos em seus aposentos, não tão alto nem esplendoroso como cantam pela
manhã proclamando aos quatro cantos do mundo a virada da folhinha do
calendário.
Mas por aqui, todos os cantos são
belos e ao mesmo tempo tristes. Não poderia ser diferente: o crepúsculo
sertanejo é solenemente fúnebre como a valsa vienense, encobre-nos de um manto
nostálgico dolorido.
A tarde cai mansamente, como se
estivesse abrindo lentamente a janela da noite. Nem estrelas piscam no céu para
nos dar luz. A única luz que nos apresenta, em curtos espaços de tempo, é a do
vagalume, porque por aqui não há mais pirilampos.
Encantada como tudo que se
encanta esta minha alma sertaneja, Nalva Aguiar fez uma canção belíssima:
“Não, não, não há seu moço /Não
há, nem pode haver /Não há beleza maior /Ver o sertão amanhecer / No meu sertão
tudo é tão belo /E natural /Despertar da passarada /Num sublime festival / A
lua brilha dando a noite o encantamento / Parecendo uma medalha / No peito do
firmamento”.
É deslumbrante o cenário
predominantemente avermelhado do Sertão, onde o chão de barro racha ao sol, as
margens ressecadas dos rios formam uma imagem inconfundível, com várias placas
barrentas, verdadeiras obras de arte da natureza em resistência ao sol, que
teima em castigar.
Sertão é xiquexique, flor de
jurema, umburana, juazeiro, mandacaru e macambira, que sobrevivem às
intempéries e ajudam o homem a se manter e alimentar os animais. A maldita seca
racha o chão, queima a nossa pele, mas não queima a nossa esperança nem mata a
nossa fé.
Por isso, nesta varanda
sertaneja, faço mais uma declaração de amor ao Sertão. É bonito ver os galhos
secos da caatinga ganharem contraste em meio ao céu negro iluminado pelas
estrelas que já aparecem.
É bonito gotas de orvalho numa
folha seca de palma. Sertão é sol ardente, rios secos que não correm mais para
o mar, mas tem lua cheia para compensar. Sertão é mãe seca, enxada na mão,
filho no braço, terra seca para arar.
Recorro a Luiz Gonzaga de Moura,
sertanejo como eu, para encerrar.
“Procure por aí a fora/ Quem
melhor que a gente canta/ Quem melhor que a gente dança / Xote, xaxado e
baião / Procure no mundo uma cidade / Com a beleza e a claridade / Do luar do
meu Sertão”.
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